A Dança dos Reflexocenários

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Por quê?

Dentro de mim existe uma dança: de um lado, uma sombra me diz para encerrar meu sofrimento com a depressão crônica, a ansiedade e esse constante tumulto emocional perturbador e desconfortável que dói em cada parte de mim. Uma dor tangível, gerada por um cérebro já incapaz de distinguir entre as dores físicas e as psicológicas. A sombra me instiga a abandonar a obrigação de me forçar a sobreviver. Instiga-me a abandonar essa incessante rotina de trabalhos sem sentido que servem apenas para pagar contas e aluguel, e então dormir com meus pesadelos e despertar para repetir o ciclo. Uma existência que serve apenas para deixar gente rica ainda mais rica, enquanto eu mesmo tenho de racionar cada grão de alimento ao fim do mês. Questiona-me: por que estender a agonia quando você não tem nada verdadeiramente teu e o desfecho da tua vida será inevitavelmente o mesmo? Ela me acusa de traição, de ter me entregado a ela quando eu devia fidelidade à serenidade, que partiu às lágrimas prometendo jamais voltar. Ela diz que, agora, é a única ao meu lado e eu devia ser grato por ela. Age como colonizadora, quer me pendurar no teto em sua homenagem, como uma bandeira representando a sua conquista. Do outro lado, num contraste tímido e fragilizado, pronta para um embate que parece colocar um mortal contra um deus, está a luz. Ela me diz que não desistirá de mim e se desculpa por criar a sombra. Ela me assegura que estará lá para me dizer palavras de esperança quando puder e que, quando não tiver forças, dirá qualquer coisa apenas para sua voz ser o farol que me dará a direção certa para seguir. Seguir e esperar. Ela me lembra que sempre esteve ali, durante três décadas de dor, busca, medo, ódio, vazio, vergonha, tristeza, fingimento, correntes, amargura, solidão, sombra. Ela estava aqui todas as vezes que precisei usar alguma máscara para ser aceito nessa sociedade doente. Ela me trás lembranças, diz que já dei mais de mim quando não tinha nada mais para dar, diz que a enxerguei e a ouvi, mesmo quando ela nem sabia que estava lá e era ela quem precisava da minha ajuda. Observo, então, como a sombra e a luz dançam dentro da minha cabeça, uma dança infinita entre dois opostos indissociáveis. A sombra é experiente. Ágil e astuta ela lidera com passos complexos, dominando a dança e conduzindo a luz que, por sua vez, consegue num esforço inacreditável acompanhar seus passos e não tropeçar. Não existe hesitação no olhar da luz. Ela apenas continua fazendo o que pode para a dança não colapsar. Ela não suporta a ideia de ver a sombra em pé e ela própria no chão, porque isso significaria o fim de nós três e, por uma razão que nenhum de nós sabemos, desejamos conseguir continuar aqui.