Monstro

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Por quê?

Nos últimos tempos, tenho sido assolado por uma crise bem complicada e profunda: a ausência de sentido na minha existência e uma desconexão visceral com o mundo ao meu redor. Essa desconexão não é meramente superficial, mas uma alienação substancial, como se eu fosse um ser lançado no universo, fadado a um eterno estranhamento. Como Sartre poderia dizer, é a náusea da existência sem razão, uma condição de ser para-si confinado numa realidade que recusa reconhecê-lo. Não entendeu? Pois é, isso sou eu sem tentar traduzir o que penso. Essa sensação de alienação é como estar perdido em uma terra estrangeira onde cada palavra minha é uma linguagem desconhecida, uma tentativa falha de tradução que nunca alcança sua verdadeira essência. Cada tentativa de comunicação apenas reforça meu isolamento, uma distorção entre o “eu” e o outro, onde a solidão se torna uma sombra constante, seguindo-me incansavelmente. Esta incessante busca por conexão, numa era digital como a nossa, apenas aprofunda o abismo do isolamento em mim em uma sociedade de indivíduos que já são isolados, esgotados pela própria busca de um sentido. A arte e a escrita tornam-se, então, não apenas um meio de expressão, mas um grito de guerra contra o vazio, uma tentativa de encontrar algum eco no vazio e um pedido de ajuda. No entanto, sem a fama ou o reconhecimento, minhas obras se perdem nesse vazio, ignoradas por aqueles que não veem valor em coisas sem a prévia validação de outros. Estamos todos condenados a buscar sentido em um universo que se recusa a oferecê-lo. A minha chegada a Portugal, distante dos poucos que se importavam e das minhas cachorras, que me ofereciam algum conforto, apenas intensificou minha sensação de alienação. Às vezes me sento sob a ponte próxima à minha casa pensando sobre isso, sobre a estranheza de minha existência e tentando compreender quem sou neste caos. É essa ponte que aparece na paisagem invertida dessa pintura. Minha arte, que não passa de uma expressão da minha luta interna, foi recentemente censurada. Uma ironia em um mundo que prega a liberdade de expressão, mas se ofende por tão pouco. Então, cobri a figura que me representa nessa arte e poderia ser “ofensiva”. Cobri o suficiente? Alguma parte ainda é ofensiva? Os pés e mãos talvez? Foi uma tentativa de conformidade externa, enquanto internamente lutava contra o desejo de me isolar completamente do mundo, de me blindar contra o estranhamento que sinto ao ter que mascarar até algo que queria que fosse cru, real. Esse estranhamento é a essência dessa minha arte: um voo solitário em um mundo que caminha e que nega a possibilidade de transcender a banalidade do cotidiano. Chamei essa arte de “Monstro”. Ela fala de uma realidade invertida, onde sou o estranho, o outro, em um mundo que não reconhece a possibilidade de existir fora de seus parâmetros normativos. Talvez, no meio da vontade de deixar de existir, isso seja um manifesto de existência, uma recusa a ser silenciado pelo absurdo, uma ponte entre o eu isolado e um universo indiferente. O que tenho certeza é de que a fiz na esperança de que, algum dia, possa encontrar ressonância em outros seres, tão perdidos quanto eu.