Saudades da Lisa

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Por quê?

Desde que a Lisa morreu, eu não fui mais o mesmo. Na verdade, toda a carga depressiva que eu conseguia segurar nos últimos anos, com remédios, terapia e muito esforço, desmoronou de uma vez em cima de mim depois que a Lisa se foi. Para quem ainda não me conhece tão bem, eu sou autista nível de suporte um, o que antes chamavam de Asperger, ou “autismo leve” (um nome claramente dado por alguém que nunca precisou passar 1% do que passamos no dia a dia com todo o caos na cabeça e nos nossos sentidos). Autistas, principalmente os que, como eu, foram diagnosticados tarde, crescem sem entender como se encaixar em um mundo como o nosso, pois muitas das coisas normais para todos, como interações sociais, amenidades e barulhos, por exemplo, funcionam completamente diferentes conosco. Imagine você, sentindo e vivendo as coisas diferentemente de todo mundo ao seu redor, como se fosse uma aberração, sentindo pânico onde outros sentem alegria, sentindo tédio onde outros se animam. Dentro desse cenário, aprendemos a mascarar o que sentimos, para nos adaptarmos a um mundo que não foi desenvolvido considerando-nos. Eu mesmo já treinei expressões faciais na frente do espelho para parecer “mais normal” e até hoje ainda ensaio todas minhas conversas na cabeça antes de abrir a boca para falar algo, é extremamente cansativo. Digo tudo isso para chegar a um ponto: os animais nos veem além de tudo isso, os animais nos veem como quem realmente somos e nos amam e aceitam mesmo assim, sem julgamentos, sem nos sentirmos um extraterrestre. Isso traz um conforto tão inexplicável que é muito comum autistas terem um animal como suporte emocional para viver. A Lisa tinha esse papel para mim. E eu sinto que tinha um papel parecido para ela, já que ela tinha um passado de traumas e muita coisa para superar também. Não tem um dia que eu não sinta falta dela, e não tem um dia que eu não sinta que ela é parte de mim, que ela vive em mim de alguma forma e foi isso que tentei expressar nessa arte. Tecnicamente, acabei indo um pouco além do que eu normalmente vou na parte das simulações 3D e das animações de modo geral, com o vórtice de lágrimas que envolve as duas figuras. Acabou sendo uma exploração bem involuntária e que saiu tão naturalmente que eu só comecei a pensar sobre ela quando meu laptop não estava dando conta de processar tudo. E é isso, esse é um dos pouquíssimos momentos em que eu queria ter alguma crença em alguma forma de existência após a morte, para poder pensar que algum dia abraçarei a Lisa de novo.