Cabelo Humano

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Por quê?

Era uma vez, eu, três décadas de depressão depois, trocando os remédios mais uma vez, porque os antigos já não funcionam mais, de novo. A angústia já virou a melodia de qualquer harmonia dentro da minha cabeça. Essa é uma analogia que eu gosto de usar, porque eu me sinto como a corda de uma guitarra — que eu costumava tocar nos tempos de um pouco menos de turbulência. Uma corda de guitarra, esticada ao extremo, bem mais do que deveria, mas ainda sem quebrar, por alguma razão. A Carina, que já me aguenta há mais de uma década, costuma dizer, às vezes, que eu sou teimoso. Talvez seja por isso que ainda não quebrei e não me entreguei a todos esses pensamentos suicidas que dizem que qualquer coisa é melhor do que sentir as coisas que eu sinto. Eu sou teimoso. Eu continuo aqui apesar dessa dor de cabeça eterna, apesar de o meu corpo perder imunidade devido à insônia, apesar de toda a gritaria dentro da minha cabeça, continuo na mesma viagem de antes. Apesar de também me sentir sozinho num nível inexplicável. Mas não porque, no meio de tanto ruído, tenho dificuldades para manter contato e a maioria das pessoas já desistiu de mim, não é por isso — eu digo para mim mesmo. Eu ainda tenho, sei lá, meia dúzia de pessoas que se importam? A solidão de que eu falo é uma solidão de ideias, quase uma solidão de espécie. Eu tenho superdotação e isso pode parecer legal num primeiro momento. O cinema pintou assim. Eu aprendia tudo muito facilmente na escola e isso disfarçava meu TDAH, afinal, era só aprender de novo na hora qualquer coisa que precisasse e então os problemas de atenção nunca eram um verdadeiro problema, não é mesmo? As coisas mais complicadas de fazer no trabalho ainda são fáceis demais para prender minha atenção, então, mesmo com o meu mundo desabando e ocupando boa parte do meu pensamento, eu ainda consigo fazer todas as minhas obrigações e até ir além. É quase como um superpoder que me dá mais capacidade de aguentar uma dor que não consigo encontrar paralelos e que arrisco dizer que poucos aguentariam, mesmo que por apenas algumas horas. Mas isso também é algo que leva até o mais simples pensamento, ou preocupação, até um nível de profundidade que acelera meu pulso e me faz sentir amaldiçoado de tanto que me consome e me joga em um abismo dentro de outro abismo. Faz eu me perder em quem eu sou e ninguém entenderia isso, eu preciso filtrar para tentar explicar, e aí surge essa solidão. Mas eu sou teimoso e continuo mesmo assim. Minha cabeça é uma zona de guerra onde demônios brigam entre si. Versões de mim que já existiram e algumas que nunca conseguirão vir ao mundo argumentam entre si. Aqui dentro, eu revivo cada coisa da minha vida, todos os dias, freneticamente. Do bullying na infância, das vergonhas, até a dor da morte da Lisa, tudo acontece num ciclo sem fim o tempo todo e é alto, e dói, e ocupa todo o espaço que eu gostaria de usar para outra coisa. Minha cabeça talvez seja o inferno de algum outro lugar, de alguma versão de mim que deve ter feito algo muito grave para merecer tanto tormento. Então surge essa arte, a qual é mais uma tentativa minha de externar isso tudo em uma imagem. Ainda é pouco, mas é uma tentativa honesta. Eu chamo essa arte de “Cabelo Humano” e eu a repito em variações piores de tempos em tempos. Essa é a terceira versão. O nome “Cabelo Humano” é uma referência a tudo isso que nasce dentro da minha cabeça e que eu tento colocar para fora. Dá para dizer também que é uma piada de mau gosto comigo mesmo e com o fato de eu ter perdido o cabelo devido à depressão e à ansiedade. Apesar de tudo, ainda resta um humor duvidoso em mim, afinal de contas. Talvez eu seja mesmo teimoso. Eu não sei se a corda vai quebrar em algum momento, mas enquanto isso, espero que, se existir alguém como eu por aí vendo isso, essa pessoa saiba que não está só nesse sentimento complexo e eu entendo tudo.