Sociedade da Asfixia

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Por quê?

Acho que também estou me importando menos com como expressarei as coisas e sendo mais cru com isso, podendo não soar bonito nessa autobiografia que comecei. Cada vez mais sinto que a vida não tem mais o que oferecer para mim, que tudo é uma versão cada vez pior das mesmas coisas e esse é o lado triste que sinto mais familiar em mim. Ele tem feito eu querer parar de colocar os outros antes de mim, porque sequer existe um “eu” claro como referência para isso. Ele também faz eu não ter medo de algum estranho vindo na minha direção à noite. O que é o pior que ele poderia me fazer? Tentar infligir mais dor em mim ou acabar de vez com ela? Eu tenho vivido com vontade de morrer, então seria apenas alguém fazendo algo que eu ainda não tive coragem de fazer. Ainda vejo muitas pessoas que falam sobre suicídio dando voltas na palavra, em parte devido ao alcance e censura nas redes sociais, em parte pelo estigma da palavra que, segundo as mesmas redes sociais, pode ser um gatilho. Isso é exatamente a razão para eu dizer essa palavra aqui. A palavra suicídio não pode ser estigmatizada, não pode cair na gaveta dos assuntos de que não podemos falar ou nos recusamos a falar. Eu luto contra pensamentos suicidas todos os dias, já perdi pessoas para o suicídio e, sinceramente, evitar a palavra só faz quem lida com o assunto se sentir ainda mais isolado e sozinho. Não fugir da palavra “suicídio” é um manifesto também. Eu vivo tudo isso tendo que lidar com um mundo cada vez mais destruído, hipócrita, mau e injusto. Nesse mundo, eu tenho que trabalhar normalmente no meio do burnout mais intenso que já tive e ver empresas e pessoas da minha área ignorarem coisas básicas. Coisas como o Google e o projeto Nimbus que dá infraestrutura para Israel cometer todas suas atrocidades na Palestina. Esse é um lado de raiva, muita raiva. Esse sentimento é bastante confuso. Toda essa raiva é nova. Ela também surge por sentir isso tudo e querer ser normal, querer ser estúpido em relação a tudo e ser feliz por causa disso. Por não conseguir me livrar de algo ainda esperançoso dentro de mim, bem escondido, que diz para esperar e ver o que acontece, mas que só traz novos dias de sofrimento. Geralmente, essa raiva surge com mais intensidade quando sou forçado a fazer algo sem sentido. Algo que não quero fazer, mas sou obrigado. Algo que tenho que lidar e é uma imbecilidade do dia a dia num mundo neurotípico-capitalista. Às vezes, a raiva surge sem nenhuma razão aparente também. E ela é, assim como nessa arte, uma versão distorcida de mim mesmo que me ataca ferozmente enquanto estou sentado na frente do computador ou tentando me acalmar de algum pensamento compulsivo. Esse “eu” distorcido é seletivo e a raiva só faz mal a mim mesmo enquanto tento domá-la e fazê-la voltar para o porão da minha cabeça. Por mais que ela seja intensa, ela nunca se direcionou para outra pessoa, mesmo que seja ela a causadora da raiva. Essa raiva frequentemente se direciona para o que estou sentindo em relação a ela mesma ou ao resto que falei, num ciclo que, no fim, me faz rebelar contra o meu estado mental e por isso querer continuar. É algo que me bate e faz criar uma fúria em relação à desistência, quase como estar recebendo marteladas de um escultor que nos modela, mas não é nada folclórico-mitológico-religioso, é uma versão de mim mesmo que, no fundo, só quer ajudar. Talvez seja o puro clichê da comparação com as espadas, que ficam mais fortes cada vez que o metal é dobrado.